Histórias de Família

Nessa última parte da Trilogia da Guerra, mergulhamos num dos conflitos mais sangrentos ocorridos na Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial: a guerra que desmantelou a Iugoslávia nos anos noventa. Histórias de Familia, adaptação do texto da dramaturga sérvia Biljana Srbljanovic, trata da guerra a partir do olhar da infância.

Nas ruínas da Iugoslávia, quatro personagens brincam de família, reproduzindo o comportamento delirante de adultos desorientados. A violência das brincadeiras substitui a violência dos combates e nesse ritual, pouco a pouco, revela-se a lógica da guerra, criada e mantida pelo poder político, que se manifesta em todos os níveis da sociedade.

Para falar de uma sociedade saturada de ódio, onde a violência e a perversidade se tornaram reflexos de sobrevivência, Biljana Srbljanovic escolheu a derrisão e o absurdo. A autora nos leva a ver a guerra através do lúdico e a ver o teatro como o lugar onde os adultos continuam a fazer aquilo que fazem as crianças: produzir jogo. Essas “histórias de família” são, ao mesmo tempo, a imagem da situação da ex-Iugoslávia e a imagem de qualquer sociedade.

 

"Todos esses fantasmas que ficam á minha volta, todas essas pessoas que morreram nessa guerra... e eu, que ainda estou viva, sou obrigada a viver com todas essas lembranças."

Histórias de Família - Amok Teatro



GALERIA




FICHA TÉCNICA

Texto Biljana Brbljanovic
Direção e Adaptação Ana Teixeira e Stephane Brodt.
Tradução Ana Teixeira e Jadrana Andjelic
Elenco
- Vojin Stephane Brodt
- Milena Rosana Barros
- Nadejda Vanessa Dias
- Andria Bruce Araújo
Iluminação Renato Machado
Figurino e objetos Stephane Brodt
Cenário Ana Teixeira
Confecção da lousa e piso Manoel Puoci
Projeto gráfico Paulo Lima
Produção Erick Ferraz




IMPRENSA




TEXTOS


 

TRILOGIA DA GUERRA por Barbara Heliodora

Desde seu primeiro trabalho no Rio de Janeiro, Ana Teixeira e Stephane Brod têm mostrado, repetidamente, que o comedimento e a disciplina jamais deixam de formar a solida base sobre a qual constroem seus espetáculos; sobre ela, uma consciência clara do valor de cada uma das linguagens cênicas os tem levado a fazer uma série de positivas contribuições para o progresso do teatro brasileiro, sempre produtos de longa reflexão e detalhado preparo.

Os três espetáculos que compõem a “Trilogia da Guerra’” deixaram forte marca, e se destacam no panorama carioca, pela seriedade e a perseverança com que Teixeira e Brodt têm se esforçado para expressar em legítima manifestação cultural brasileira, o produto de suas formações européias, sempre buscando encenações simples, austeras, que usam os valores básicos do teatro para suas encenações.

A guerra, toda e qualquer guerra, tem sido tema de incontáveis obras dramáticas, de teatro ou cinema, tantas vezes exploradas pelo simples impacto que mortos, feridos e batalhas podem ter; mas no caso da “Trilogia de Guerra” do Teatro Amok, o grande mérito é a habilidade com que  tudo o que é fácil e óbvio foi abandonado, e com que foram repudiados  o patriotismo e a ideologia,  que com tanta facilidade servem para a propaganda e as exaltações . 

“Dragão”, “Kabul” e “Histórias de Famílias”, ao enveredar pelo duro caminho daqueles que sofrem a guerra, dos que não a buscam ou querem, mas são por ela vitimados, pisam em terreno difícil, delicado, e por depoimentos ou ações investigam o sofrimento humano, falam de perdas, muito além das materiais, de raízes, de membros de família que se esfacelam, de amigos que as circunstâncias tornam inimigos.

De todas essas tragédias o Teatro Amok tem falado de forma aguda, penetrante, sem um único momento de exagero ou apelação, com uma economia que torna marcas, gestos, tons mais significativos por serem poucos, exigindo do ator uma interpretação comedida, mesmo que seja, na verdade, apaixonada. 

Tudo isso, é claro, é a expressão de uma visão específica de teatro, na qual texto e ator, em um palco, não têm limites para o que podem transmitir, usando a própria imaginação para alcançar a do espectador, e fazer se realizar o milagre teatral. 

Espetáculos do nível que têm tido os do Teatro  Amok  não acontecem não acontecem por acaso; são o resultado de um trabalho dedicado e consciente, de uma paixão por atingir aquele momento extraordinário, quase miraculoso, que Ana Teixeira e Stephane Brodt acreditam que uma implacável dedicação pode criar. 

Barbara Heliodora

 

TRILOGIA DA GUERRA por Ana Teixeira

Trilogia da Guerra é uma trajetória que tem suas raízes no Ecum - Encontro Mundial das Artes Cênicas – um fórum internacional que reuniu em 2006, no Brasil, artistas, pesquisadores e profissionais em torno de uma reflexão sobre O Teatro em Tempos de Guerra. 

Qual é o papel do teatro diante do sofrimento e da violência? Como o teatro responde aos desafios e questionamentos colocados pelo mundo em guerra?
Artistas vindos de diferentes partes do mundo compartilharam suas experiências. Diferentes histórias, culturas e trabalhos apontaram para um teatro que pode testemunhar, agir solidariamente e se insurgir contra brutalidade. 

Dessas experiências, o encontro com os atores iranianos do Siah Bâzi, Saadi Afshar e Shadi Zadeh, repercutiu sobre a trajetória do Amok. O Siah Bâzi é uma forma de teatro cômico que improvisa cenas repletas de alusões à atualidade e à política. Em 2003, o governo iraniano decidiu, sem aviso prévio, fechar o Teatro Nasr – o mais antigo de Teerã. Os atores do Siah Bâziforam expulsos do lugar onde trabalhavam e ficaram desamparados, impossibilitados de exercerem sua arte. O Siah Bâzi incomodava e o público iraniano viu seu teatro ser silenciado.

A intensidade desse encontro nos impulsionou a mergulhar num projeto sobre o tema da guerra que pudesse refletir nosso desejo de afirmar o teatro como um lugar de convívio para pensar o mundo em que vivemos. Desejo também de investigar formas de dialogar com o real e procurar novas linguagens que permitam uma leitura do nosso tempo a partir de questões humanas universais. 

Assim, iniciamos um percurso que resultou na criação de três espetáculos: O Dragão (2008), Kabul (2009) e Histórias de Família (2012). Nessa trilogia apresentamos três espetáculos independentes, três retratos da guerra e três diferentes experiências de linguagem cênica. 

Nesse projeto, não pensamos na guerra como um fenômeno que atinge apenas alguns, ou um determinado povo. Nosso objetivo foi abordar esse tema a partir da alteridade. Um desejo de aproximação, de pensar a questão da violência a partir da experiência do outro buscando uma identidade humana e sem fronteiras. Para além dos limites geográficos, históricos ou culturais, o que colocamos em foco é o homem diante da violência de sua época.

Acreditamos que esse olhar em direção ao estrangeiro responde a questões levantadas pela globalização em que migração, minorias, individualismo, cultura de consumo e tentativas de hegemonia são realidades efetivas. Nossa intenção foi compartilhar nossa perplexidade diante do monstro da guerra, traduzindo isso cenicamente, em atos, sons e movimentos.

Abordamos problemas que consideramos fundamentais na história contemporânea, acreditando que o teatro pode ser um lugar de discussão desses problemas. O que pode ser dito através do discurso cênico não pode ser dito através de nenhum outro discurso (científico, político ou jornalístico) e, por isso mesmo, ele pode interferir sobre a percepção que temos do real. Nesse percurso, espetáculos, debates e encontros com o público foram indissociáveis.

Trilogia da Guerra é um projeto sobre a memória, sobre um teatro que persiste em não esquecer. Um teatro que dialoga com nossa época, com seus impasses, seus desejos, seus sofrimentos e suas esperanças.
Ana Teixeira











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